Governo avalia viabilidade de o Brasil criar seu próprio GPS
- José Augusto

- 23 de jul
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O governo brasileiro deu o primeiro passo para avaliar a criação de um sistema nacional de geolocalização por satélite, semelhante ao GPS norte-americano. A proposta está em fase inicial, com a formação de um grupo técnico responsável por analisar os desafios e benefícios da implantação de um sistema independente de navegação, posicionamento e temporização via satélite.
A iniciativa foi oficializada por meio da Resolução nº 33, publicada pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e assinada pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marcos Antonio Amaro. O grupo terá 180 dias, a partir de 14 de julho, para apresentar um relatório detalhado com diagnósticos e recomendações ao governo federal.
Entre os integrantes estão representantes da Aeronáutica, de ministérios, da Agência Espacial Brasileira (AEB), de institutos de pesquisa e da indústria aeroespacial nacional. Segundo Rodrigo Leonardi, diretor de Gestão de Portfólio da AEB, o objetivo é entender os obstáculos técnicos, logísticos e financeiros de um projeto tão ambicioso.
“A ideia é estudar se vale a pena desenvolver um sistema brasileiro, e em que escala — se algo global, como o GPS, ou apenas regional, cobrindo o território nacional”, explicou Leonardi. “É um passo que exige altíssima tecnologia e investimentos muito acima do que hoje é aplicado no programa espacial.”
A criação do grupo ocorre em meio a debates internacionais sobre segurança e soberania tecnológica. Nas últimas semanas, surgiram nas redes sociais rumores sobre a possibilidade de os Estados Unidos limitarem o uso do GPS em países com os quais mantenham tensões comerciais ou diplomáticas, como o Brasil.
Leonardi nega qualquer ligação entre a medida do governo brasileiro e essas especulações. “Essa discussão sobre termos um sistema próprio é antiga e não tem relação com as redes sociais ou com tarifas norte-americanas. E, mesmo que algo ocorresse com o GPS, há outras opções disponíveis no mundo”, afirmou.
De fato, além do GPS (EUA), há outros sistemas globais como o russo GLONASS, o europeu Galileo e o chinês BeiDou. Ainda existem soluções regionais, como o indiano NavIC e o japonês QZSS. Muitos dispositivos modernos, como smartphones e veículos, já operam com sinais de múltiplos sistemas, o que garante certa redundância.
O professor Geovany Araújo Borges, da Universidade de Brasília (UnB), especialista em automação e robótica, concorda que, embora tecnicamente seja possível um país restringir sinais de geolocalização, a medida seria extrema e geraria efeitos colaterais, inclusive para empresas e cidadãos estrangeiros.
“Limitar o sinal de GPS afetaria negócios, transporte aéreo e sistemas de emergência, além de comprometer a credibilidade do serviço. É improvável que os Estados Unidos adotem essa postura”, avaliou.
Apesar disso, Borges considera estratégico que o Brasil tenha mais autonomia tecnológica nesse campo. Ele destaca que a geolocalização por satélite tem impacto direto em setores como defesa, logística, agricultura e telecomunicações.
“A dependência de sistemas estrangeiros é um ponto frágil. Desenvolver um sistema nacional impulsionaria a indústria de alta tecnologia e outras áreas como a medicina, a meteorologia e a segurança pública”, completou o professor.
No entanto, ele pondera que o principal obstáculo não é a falta de profissionais qualificados, mas sim a escassez de investimentos consistentes a longo prazo. “É preciso criar uma política de Estado, que sobreviva a trocas de governo, e investir também na cadeia produtiva nacional de microeletrônica e em ciência básica.”
A criação do grupo técnico, segundo ele, representa um avanço importante, ainda que tardio. “O Brasil tem competência. Resta saber se terá compromisso político e financeiro para transformar esse sonho em realidade.”



